19/12/2017

Com dedicação, é possível vencer o medo da água.


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O verão começa na próxima quinta-feira, dia 21, e junto com ele vem o período de calor mais intenso do ano. É uma época que as pessoas buscam se refrescar, por isso aumenta a procura por praias, piscinas, lagos, cachoeiras e até rios. Brincar na água, com segurança, é muito divertido, mas não para quem tem medo. Essas pessoas, muitas vezes, acabam ficando de fora dos passeios.
A empresária Fernanda Viana Moreira, 45 anos, que o diga. Ela conta que sentia um medo que não sabia de onde vinha e que para ela era limitante. Já chegou a fazer passeio de navio em que deixou de aproveitar a piscina por causa disso. O medo, talvez, tenha sido porque desde pequena observava o pavor que a sua irmã sentia da água. “Ela teve um trauma de criança, pois quando pequena caiu no rio”, comenta.

O medo da irmã foi superado com aulas no curso intensivo de natação e desenvolvido especificamente para quem tem medo de água, que em 20 dias ensina a pessoa a nadar e se virar em situações de emergência dentro da água. Surpresa com o resultado, Fernanda também procurou ajuda. O método foi criado pela professora de natação Cristiane Raszl, de Sorocaba.

Formada em educação física há mais de 30 anos e especialista em fisiologia do exercício, Cristiane afirma que presenciou várias ocorrências ao longo desse tempo, como pessoas com pavor, soluço, pânico. “Numa aula de grupo não dá para dar atenção direito, então por isso faço individualmente, afinal cada um tem sua história e é em cima disso que vou trabalhar.”

Fernanda: medo era limitante - ERICK PINHEIRO

Cristiane afirma que antes de iniciar o curso, faz um questionário em que verifica a saúde do interessado e também o que causou o medo. “Ajudo a tirar esses fantasmas. Todo mundo merece atenção e eu auxilio a pessoa a perceber que é capaz.” Tem casos, diz ela, que a pessoa faz aula em grupo e passa um ano tentando aprender e não consegue, devido ao medo.

Fernanda, por exemplo, já tinha tentado aprender em outras oportunidades, mas sem sucesso. Agora, ela consegue inclusive pular na água e mergulhar. “Logo eu, que tinha medo de afundar a cabeça e afogar, então tampava o nariz. Parece uma bobagem, mas essa é minha maior experiência de vida. Para mim, não saber nadar era um fator limitador, então aprender isso me mostra que posso ir além, em outras situações. Foi a melhor coisa que fiz, pois significa superar limites, saber que você é capaz.”

Medo é limitante 

Só aqueles que não têm intimidade com a água sabem o quanto é difícil receber convite para uma festa e depois ter de recusar quando descobrem que o local conta com piscina. Isso porque sempre tem um ou outro colega que resolve brincar de jogar as pessoas na água. Quem sabe nadar, não leva em consideração um ditado que diz que “quem não sabe nadar, se afoga até em copo de água”. O ditado, que parece um tanto exagerado, é uma forma de dizer que as pessoas que não costumam entrar na água correm riscos, mesmo estando em lugares considerados rasos. E um dos principais fatores é o desespero.

A professora D., que preferiu não se expor, conta que teve de deixar de ir em uma viagem de formatura por causa disso. “Mudaram o lugar de última hora e decidiram que seria num hotel fazenda. Lá, claro, tinha piscina, e como eu não sabia nadar, minha mãe achou melhor eu não ir, pois teve medo que alguém me jogasse na água”, lembra.

Para ela, aprender a nadar tem sido libertador. D. conta ainda que uma vez, quando era pequena, foi brincar na piscina de um clube mas escorregou e foi parar no fundo. Sua mãe, vendo que D. estava se afogando, foi tentar salvá-la, mas como não sabia nadar, acabou afogando junto e as duas foram socorridas por um tio.

Mais tarde, D. tentou superar o trauma indo até uma academia de natação. “Mas para a minha surpresa, a professora tirou sarro pelo fato de eu ser adulta e não saber nadar. Aquilo foi ainda pior para mim”, conta.

Recentemente, ao saber desse método de sobrevivência, D. afirma que resolveu testar para ver se funcionava. Percebeu que o segredo é fazer as aulas sequenciais, para se acostumar com a água, por isso foi todos os dias. “No sétimo dia de aula eu já tinha superado o medo e estava nadando”, comenta, feliz com os resultados. “A professora entende o nosso medo, tem paciência, sabe da nossa dificuldade, então parece que ela pega o medo da gente em suas mãos e o joga fora.”

O professor precisa entender e respeitar o medo do aluno 

Aline Brandolize também é professora de natação que dá aulas personalizadas para quem tem medo de água. Ela atua na área há 26 anos e lembra de vários casos em que atendeu alunos com pavor de água. “Costumo falar o seguinte: se todo profissional que lida com o ser humano se colocar no lugar do aluno, vai conseguir entender o que ele está passando e o que precisa para superar”, diz.

Aline dá aulas para pessoas de todas as idades, desde bebês. “Muitos que chegam aqui contam que foram para outras academias e os professores nem entravam na água”, afirma ela. A professora notou que os adultos chegam a ela com trauma, já as crianças, muitas vezes por medo que os pais colocaram nelas.

O empresário Hélio dos Santos, 42 anos, é um dos alunos de Aline. Ele conta que quando ia na piscina ficava apenas no raso. “Minha filha, de 12 anos, nada muito bem e uma vez fomos a Foz do Iguaçu e resolvemos aproveitar a piscina do hotel. Só que a piscina tinha 2,80 m de profundidade”, diz ele. O resultado é que ficou sem poder se divertir. Foi por causa desse dia que Hélio resolveu encarar o medo e decidiu aprender a nadar. “Já vejo resultados. Eu que nem saía da beira já estou atravessando a piscina e nado inclusive de costas.”

Ele ainda comenta que é sócio de um clube que tem aula de natação, mas se fosse aprender dessa forma, demandaria um período maior para de fato estar nadando. “Por isso fui buscar personal”, afirma.

Aline dá aulas de natação e diz que medo atinge adultos e crianças - DIVULGAÇÃO

Aline dá aulas de natação e diz que medo atinge adultos e crianças 

Outra aluna de Aline é a enfermeira Viviane Moreira, de 40 anos. Viviane diz que tinha pavor e entrava em desespero na água. “Eu quase me afoguei por duas vezes na infância, e também quando tinha uns 18 anos”, recorda.

Por causa desses episódios, quando ela ia na piscina, ficava segurando na borda e não conseguia soltar. “Dava desespero”, lembra.

Ela decidiu aprender a nadar quando estava passando por um recomeço em sua vida. “Foi um momento que eu estava procurando coisas que sempre quis fazer e nunca tive coragem e tempo. A natação foi a primeira coisa que procurei”, comenta.

Conforme a enfermeira, é frustrante ir num lugar, ver todo mundo se divertindo e você não conseguir. “A Aline foi muito atenciosa comigo, entrou na piscina e ficou junto. Ela não soltou da minha mão enquanto eu não senti segurança e em pouco tempo eu já estava nadando.”

Viviane comenta que foi super rápido. “Hoje posso dizer que vivencio a sensação de estar na água e sentir tranquilidade. É uma sensação de superação mesmo. Pelo medo que eu tinha, eu pensava que seria impossível nadar e vi que não existe nada impossível quando a gente tem força de vontade.

Bloqueio para aprender a nadar pode ter relação com questões da infância

A psicoterapeuta comportamental Gleice Karen Silva Pereira ressalta que geralmente o medo — em qualquer situação — está ligado a questões da infância, a crenças que os pais e a sociedade impõem para a criança. “Isso contribui para limitar a pessoa, em diversas áreas da vida, inclusive na forma como se socializa com os outros. Quando a pessoa não está disposta a superar o medo, ela acaba carregando isso para o resto da vida”, diz.

Ainda de acordo com Gleice, muitas pessoas deixam de ir à praia ou entrar numa piscina sem mesmo entender o que acontece com elas. “Às vezes teve um acontecimento na infância que elas não lembram mais, ou ouvia os pais falarem sobre perigos e isso ficou guardado.”

No entanto, quando a pessoa está disposta a superar, afirma Gleice, tudo fica mais fácil. “Tem cosias que nem são dela, da vivência dela, às vezes a mãe passou por algo na gravidez e transmitiu isso ao bebê. Quando alguém se permite conhecer, fica mais fácil vencer e superar as crenças limitantes que muitas vezes tratam como verdade.”

Conhecimento e respeito pela água

Durante o curso Natação de Sobrevivência, Cristiane Raszl busca passar orientações teóricas e práticas de natação para os públicos infantil, adolescente e adulto. Cristiane afirma que com a chegada do calor aumenta a busca por locais com água, por serem convidativos e divertidos. “Mas isso se torna preocupante quando as pessoas acreditam que apenas com o uso de boias e flutuadores estarão protegidas de uma fatalidade”, diz.

Muitas pessoas querem passear e acabam morrendo afogadas por desconhecimento sobre o que podem ou não fazer. Durante as aulas, Cristiane orienta sobre alguns fatos que podem acontecer e o que fazer nessas situações: como se deve agir se cair com roupa e tênis na água; como se manter durante muito tempo na água; entre outras dicas. “Quero que a pessoa sobreviva, que nade, que aprenda a sair em uma situação de emergência, que saiba o que pode e o que não pode fazer.”

Também não basta saber nadar, diz ela. É necessário conhecer e respeitar regras para prevenção de acidentes. “Quem não conhece alguém que falou, de forma indignada, sobre uma pessoa que morreu na água, sendo que nadava tão bem? Pois é. Sabe nadar não significa estar livre de um afogamento, já que em muitos casos essas pessoas se arriscam mais, por se considerarem experientes.”

Ainda conforme a professora de natação, nadar não é só bater perna e braço, inclui resistência. “Você tem de analisar se tem capacidade cardiorespiratória para ir e vir nadando, ou seja, se tem fôlego.”

Cristiane ressalta que durante os 20 dias de aula a pessoa não vai aprender técnicas de natação e nem ganhar capacidade cardiorespiratória. “Vai aprender o básico e necessário para sobreviver.”

Fonte: https://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/844488/com-dedicacao-e-possivel-vencer-o-medo-da-agua